A novela de Aguinaldo Silva que retorna ao Canal Viva, com sua primeira fase ambientada durante a Ditadura Militar, em seus anos mais severos
Quando se fala em Senhora do Destino (2004), muito se fala sobre as protagonistas Maria do Carmo (Susana Vieira) e Nazaré (Renata Sorrah), além de memes e outras diversas cenas antológicas que marcaram o imaginário do público. Mas, a trama de Aguinaldo Silva, em suas qualidades, apresenta um contexto histórico pouco retratado, e que jamais deve ser esquecido.
Depois de fazer história na televisão brasileira com o gênero realismo fantástico, o autor resolveu escrever uma novela urbana ambientada no Rio de Janeiro, e para isso precisou contextualizar a sua obra.
Assim que Maria do Carmo (Carolina Dieckmann) decide ir para o Rio atrás de seu irmão com seus cinco filhos, ela desembarca em meio ao caos instaurado pelos militares que estavam no poder justamente no dia 13 de dezembro de 1968 – dia em que foi decretado o AI-5 (Ato Institucional Nº 5), que endurecia a repressão à população, assim como os opositores do regime em questão.
De acordo com o site Teledramaturgia, de Nilson Xavier, a produção da novela reconstituiu a manifestação no centro do Rio conta o ato com cerca de 800 figurantes, que participaram dos noves dias de gravações. Dá para acreditar que poucos minutos de artes deram esse trabalhão todo? Uma super produção!
Autor retratou sua própria realidade
Para quem não sabe, Aguinaldo Silva também é jornalista, e acumula diversas experiências em sua carreira, como essa retratada na primeira fase de seu folhetim. Em Senhora do Destino, ele conseguiu retratar o período em que foi preso por 70 dias após ser acusado de ser subversivo por escrever o prefácio do livro “Diário de Che Guevara”.
A experiência foi relatada através do personagem Dirceu de Castro (Gabriel Braga Nunes), que acabou detido por confrontar a censura imposta na época. Já atrás das grades na Ilha das Flores, ele conhece ‘Do Carmo’ – presa após ser confundida como uma manifestante.
“Na cena em que Maria do Carmo é presa e levada para o CENIMAR, o Centro de Informação da Marinha, e o comandante está jogando dardos sobre uma foto de Mao Tsé-Tung, aconteceu comigo”, disse ele no livro “Autores, Histórias da Teledramaturgia”.
Um ano representado em uma semana
Outro detalhe curioso que também se enquadra nesse contexto, é a citação da Rainha Elizabeth através da jornalista Josefa de Magalhães Duarte Pinto (Marília Gabriela), dona do fictício jornal Diário de Notícias e forte pedra no sapato dos censores daquela época.
Influente e poderosa, ela frequentava diversas solenidades da alta sociedade carioca, como a visita da Rainha Elizabeth II no Brasil, interpretada pela atriz Deidre Loys. Durante a sequência, a monarca comparecia em uma homenagem aos brasileiros e chega a cumprimentar a jornalista.
A visita da Rainha da Inglaterra realmente aconteceu, em novembro de 1968, quando ela participou da inauguração do Masp (Museu de Arte de São Paulo), da Ponte Rio-Niterói e a entrega de uma taça em um amistoso de futebol para Pelé.
O folhetim abusou da licença poética, e contextualizou os acontecimentos em um intervalo de apenas uma semana. A passeata dos Cem Mil aconteceu em junho, a visita de Elizabeth II, em novembro e o Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro daquele fatídico ano.
Não há dúvida que em meio a tantos deslizes cometidos pela novela, ela se tornou um clássico da teledramaturgia brasileira, e certamente é inesquecível na memória do público. A trama, que já foi reprisada duas vezes no Vale a Pena Ver de Novo em 2009 e 2017, arrebatou o público, que, em geral, pouco se importou com esses - e agora terá a oportunidade de prestigiar a obra na íntegra.
Em tempos em que a Ditadura Militar (1964 – 1985) voltou a ser comemorada nos últimos quatro anos, a novela, com sua proposta em retratar um dos períodos mais duros e cruéis da história brasileira, vem em um momento oportuno. Só por isso, já vale a pena assistir.
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