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Foto do escritorGeovanne Solamini

Reprise de o ‘O Salvador da Pátria’ no VIVA comprova que a novela é um sucesso atemporal


Imagem: Reprodução./Globo

Nesta sexta-feira (12), chegou ao fim a reprise de “O Salvador da Pátria” no Canal VIVA. Criada e escrita por Lauro César Muniz, exibida originalmente em 1989, a novela não podia ter sido reapresentada num melhor momento, se mostrando um grande sucesso por se parecer muito com a realidade sociopolítica do Brasil em 2021.


No centro da história temos Salvador da Silva, o Sassá Mutema (Lima Duarte), um matuto, boia-fria analfabeto, simples e ingênuo, que se torna um prefeito de alta popularidade com as classes mais baixas. O personagem conquistou o público, representando grande parte da população. A história foi muito bem arquitetada, mostrando todas as fases e faces do personagem, que transitou por todos os lados até chegar em seu objetivo.


“Salvador” repetiu o sucesso de sua exibição original, causando uma repercussão enorme nas redes sociais, principalmente no Twitter, atraindo jovens e até mesmo adolescentes que reconheceram em sua história a realidade atual do país – você pode ler mais sobre isso nesta matéria do site sobre a atriz Mayara Magri, que participou integralmente das discussões sobre a novela no Twitter.


32 anos depois, é realmente difícil dizer que alguma coisa mudou. A guerra entre direita e esquerda, a busca pelo poder, a corrupção, a milícia e o tráfico de drogas são os pontos que fazem a novela ser atemporal, infelizmente. Lá no final dos anos 1980, num Brasil recém-saído da Ditadura Militar, a novela era acusada de “contar a história” de Luís Inácio Lula da Silva, então um dos principais candidatos à presidência nas primeiras eleições diretas em 29 anos (Fernando Collor de Mello venceu a eleição).


O autor e a Rede Globo negam qualquer inspiração, mas é impossível ignorar as semelhanças – é curioso notar que hoje o ex-presidente Lula é considerado, mais uma vez, quem vai “salvar a pátria” nas próximas eleições, após a gerência catastrófica do atual presidente. Com um Brasil redemocratizado, Muniz teve relativa liberdade para contar sua história, podendo falar sobre política e até sobre sexo, mesmo que de maneira sutil. Ainda assim, o autor já admitiu que teve que teve de mudar alguns pontos na história por certas interferências de Brasília a Globo, em declaração à Escola de Comunicações e Artes da USP em 2002.


Na novela, o conservadorismo que nos assombra até hoje é representado por dois lados da mesma moeda. De um lado, o prefeito Severo Toledo Blanco (Francisco Cuoco) e sua mulher, Gilda (Susana Vieira), um casal rico, moralista, corrupto e infeliz, representantes da “família tradicional brasileira” e da elite podre do nosso país, que passam a novela manipulando Sassá, transformando-o em um fantoche humano – num dado momento da novela, Severo deixa Gilda para se casar com Bárbara (Lúcia Veríssimo), uma de suas muitas amantes, para então traí-la com sua ex-mulher, até que os três estejam envolvidos num jogo sujo onde só o poder interessa.


Do outro lado, um personagem brilhantemente interpretado pelo saudoso Luís Gustavo, bem diferente de todos os papéis cômicos que ele vinha apresentando ao público até então: Juca Pirama, um radialista moralista e ultraconservador que aterrorizava seus desafetos (principalmente Severo) com suas declarações sensacionalistas na Rádio Clube de Tangará – nem precisamos dizer o quanto isso continua atual. O personagem é assassinado por volta do capítulo 15, mas se faz presente durante toda a novela, como uma figura onipresente e onisciente que assombra seus inimigos mesmo após sua morte. Através dele, surgem grandes revelações sobre a poderosa quadrilha de narcotráfico que comanda a região, núcleo que corre em paralelo com a história de Sassá, que num certo ponto passa a ser considerado um inimigo da mesma, cruzando as histórias de maneira muito bem amarrada pelo autor.


Logo nos primeiros capítulos, Juca e a organização criminosa fazem sua primeira vítima: o irmão de Juca, o piloto João Matos (o também saudoso José Wilker), que transporta drogas sem seu conhecimento, acaba preso, muda de identidade e vira refém dos narcotraficantes. É aí que entra em seu caminho Marina Sintra, uma empresária forte, independente, influente, determinada e moderna. Vivida por Betty Faria (que emendou “Salvador” com a novela seguinte, “Tieta”), Marina foi uma das maiores personagens da novela e também da carreira da atriz, formando um par cheio de química e carisma com Wilker – muitas vezes, os dois se igualavam e até suplantavam Lima Duarte no protagonismo da novela. Marina tinha uma forte relação de amizade com as filhas, Camila (Mayara Magri) e Alice (Suzy Rego), com quem conversava abertamente sobre sexo e relacionamentos, algo bem ousado para a época, e abriu mão da própria liberdade em nome de sua paixão por João, se colocando também sob o domínio da organização criminosa. A personagem não teve tanta repercussão na época, mas conquistou uma legião de novos fãs durante a reprise da novela.


A novela contou com um elenco considerado inchado por muitos expectadores, mas

recheado de grandes nomes da nossa TV, que brilharam em papéis que despertaram amor e ódio. Alguns deles, sumidos das novelas, como Mayara Magri, Lucinha Lins, Maurício Mattar, Maitê Proença, Lúcia Veríssimo, Tássia Camargo e Natália Lage, em sua primeira novela – ela volta ao formato agora, em “Um Lugar ao Sol”. Além disso, revemos o trabalho de muitos artistas que deixaram saudade, como Cecil Thiré, Mário Lago, Thales Pan Chacon, Claudio Cavalcanti, Marcos Paulo e Eduardo Galvão, além dos já citados Luís Gustavo e José Wilker.

Apesar de não ser tão lembrada quanto outras novelas mais populares dos anos 80 (como “Tieta”, “Vale Tudo” e “Roque Santeiro”), “O Salvador da Pátria” foi uma escolha muito acertada pelo VIVA, e merece todo o reconhecimento. Lauro César Muniz, conhecido por suas tramas complexas (às vezes, confusas) sobre máfias e conspirações, foi visionário e ousado ao explorar temas polêmicos, dentro de um folhetim muito bem construído, o que deu um olhar único pra novela. Sem dúvida, é uma das melhores novelas já produzidas, e contada com uma inteligência ímpar, que faz falta nas novelas atuais.

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