Mesmo com inúmeros problemas, novela de Manoel Carlos encerra sua passagem pelo VIVA repetindo o sucesso de sua exibição origina
E depois de quase 9 meses - o tempo de uma gestação - a última página dessa vida foi escrita. Perdoem-me pelo trocadilho barato, mas só assim para definir uma novela com um desenvolvimento arrastado e que por muitas vezes foi definida como barriguda, termo popularmente usado para se referenciar a uma novela que passa por uma fase onde nada acontece ou demora para acontecer.
A verdade é que ‘Páginas da Vida’ (2006) foi um grande sucesso sim, mas que como outras novelas anteriores e posteriores, não foi unanimidade entre o público e a crítica por justamente apresentar o início de uma fase de desgaste de Manoel Carlos. Querendo ou não, é preciso reconhecer isso.
Segundo informações do colunista Duh Secco, do TV História, a trama foi a novela de maior público, considerando os dois horários de exibição entre segunda e sábado, onde até 14 de junho de 2022, a média/mês correspondeu a 647 mil pessoas por dia. Portanto, Páginas da Vida repete o sucesso de sua exibição original, onde cravou a média geral de 48,7 pontos.
Dado isso, é preciso comentar sobre os seus erros e acertos, assim como as irregularidades que a acompanharam pelos seus 203 longos capítulos. Vamos a elas?
Helena, a protagonista fantasma
Pela terceira vez, Regina Duarte encarou o desafio de viver mais uma Helena de Manoel Carlos. Ok, é preciso reconhecer que ela mandou muito bem nas outras duas oportunidades em História de Amor (1995) e Por Amor (1997), mas será que não havia outra atriz? Enfim, deixa quieto.
Dessa vez não foi diferente e a veterana arrasou, mas o roteiro a fez sumir por diversas vezes durante a trama. Não foram alguns, mas sim muitos capítulos em que a protagonista da história simplesmente não aparecia, esses nos quais eram preenchidos por tramas paralelas e/ou belas imagens do Rio de Janeiro.
Por muitas vezes, Helena foi coadjuvante da sua própria história e fez falta. E cá entre nós, problemas como esse serem perceptíveis aos olhos do público contam demais, não é mesmo? Enfim, a personagem não é ruim, pelo contrário, mas poderia dar o ar de sua graça por mais vezes durante os capítulos.
Trama central forte
Rio de Janeiro, Brasil, 2001. É nesse contexto que ‘Páginas da Vida’ se inicia e consequentemente nasce a sua trama central que desta vez foi muito bem construída. Diferentemente da novela anterior que o autor escreveu no horário nobre, ‘Páginas’ conta com uma história central consistente e que se garante independentemente dos núcleos paralelos que não são tão amarrados a ela.
Afinal, por que não um bom drama familiar como plot da narrativa principal da novela? Os caminhos de Helena e Nanda se cruzam por um acaso e passam a caminhar juntos durante toda a vida, ou melhor, os cinco anos que se passam no decorrer da obra.
Ainda falando em Helena (Regina Duarte), com a sua reprise no canal VIVA, deu-se para perceber que a trama central não existiria sem esse encontro, afinal, se não fosse isso, Helena seria mais uma personagem comum ou sem função. Um grande e lindo acerto que emocionou o público!
O protagonismo moral de Marta
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Dizer que Marta (Lília Cabral) foi o grande destaque e acerto de ‘Páginas da Vida’ é chover no molhado. A vilã nada mais é do que um retrato de uma mulher que passou a vida inteira carregando a família nas costas e sempre anulou suas questões pessoais em prol deles.
Retrato de uma mãe brasileira, Marta despertou diversos sentimentos no público, desde ódio até mesmo emoção. A dualidade da personagem foi certeira para sua construção, que demonstra muita humanidade, onde ao mesmo tempo que reprovamos o seu comportamento, também é possível compreendê-la.
Mesmo assim, a personagem era marcada por uma crueldade absurda com a filha Nanda (Fernanda Vasconcellos), da qual não aceita a gravidez, que foi transferida pela sua neta Clara, de quem rejeitou por ser portadora de uma doença que a mesma considerava um “problema” em sua vida e assim a colocou para adoção e mentiu para o resto da família quando disse que a menina não sobreviveu.
Não foi por acaso que a atuação imponente de Lília Cabral a fez ser indicada como melhor atriz ao Emmy Internacional, em 2007. Infelizmente a atriz perdeu o prêmio, mas sempre será lembrada pela antagonista que ofuscou a protagonista – contém polêmica nesta frase.
Direção bonita, mas lenta
Depois de uma longeva parceria com Ricardo Waddington, Manoel Carlos iniciou a sua parceria com Jayme Monjardim, diretor consagrado que já dirigiu diversos sucessos como ‘Pantanal’ (1990), na TV Manchete e na própria Globo, com ‘O Clone’ (2001). Aconteceu que houve uma certa estranheza em um ritmo de história mais ágil, com uma direção mais lenta e contemplativa.
Por muitas vezes a direção errou em não garantir aquela emoção à cena que o roteiro pedia, e assim, o público percebeu. A falta de instrumentais clássicos, o uso deles em momentos talvez não adequados e até mesmo a falta de emoção marcaram os capítulos.
Mas também há elogios a essa nova parceria, mesmo que eles estejam sobrepostos aos pontos negativos. As imagens gravadas em Amsterdã, na Holanda, eram simplesmente fantásticas, assim como as belíssimas paisagens da cidade maravilhosa.
Cenas memoráveis
Assim como sua irmã mais velha ‘Mulheres Apaixonadas’ (2003), ‘Páginas da Vida’ é marcada por cenas memoráveis e que certamente jamais serão esquecidas pelo público. Isso porque também as redes sociais sempre a fizeram serem lembradas.
Dentre as principais cenas, estão as que envolvem Helena (Regina Duarte) e Clara (Joana Mocarzel), que sempre abordavam o preconceito contra a pequena que era portadora da síndrome de down. Sua mãe lutando pelos seus direitos na sala de aula, assim como combatendo o preconceito de outras pessoas era satisfatório.
Além disso, qualquer cena que envolvesse a vilã Marta (Lília Cabral), como os embates dela com a filha Nanda (Fernanda Vasconcellos), a cena em que seu marido Alex (Marcos Caruso) rasga o seu cheque – e que até mesmo rolou um acidente com a atriz – também são marcantes. Ou seja, qualquer barraco de família se torna inesquecível.
Figurações de luxo
Talvez o ponto negativo que mais chama atenção é a figuração de luxo que essa novela possui. Grandes nomes da teledramaturgia, alguns hoje que não estão mais entre nós, e jovens rostos que viriam a despontar na teledramaturgia nacional foram desperdiçados pela divisão desigual das tramas, assim como os seus desenvolvimentos irregulares.
Para esta seção, destacam-se nomes como Sônia Braga, que havia recusado fazer Belíssima (2005), a novela antecessora na época, assim como Nathália Timberg que deu vida a uma avó que não tinha função na trama, assim como Tarcísio Meira, que volta e meia sumia da história sem explicação alguma.
Um caso em específico chamou atenção na época, onde o ator Antonio Calloni alegou cansaço e insatisfação com seu personagem. Com isso, o veterano pediu para sair e foi prontamente atendido por Maneco e Monjardim, onde foi morto em um acidente de carro.
Juntam-se a eles, Ana Botafogo, Bete Mendes, Tato Gabus Mendes, Louise Cardoso, Leandra Leal, entre outros nomes dessa grande lista. Um verdadeiro desperdício!
Pautas sociais batidas
Ponto forte do autor, assim como de Gloria Perez, Maneco investiu em temas sociais em ‘Páginas da Vida’, que conteve temas como a inclusão de pessoas com síndrome de down na sociedade – até então inédita na TV, assim como, alcoolismo, racismo, bulimia, HIV e a violência urbana, que já é um tema clássico nas crônicas cotidianas escritas pelo autor.
Destas, destaca-se o alcoolismo que já apareceu em ‘Por Amor’ (1997), ‘Mulheres Apaixonadas’ (2003), ‘Viver a Vida’ (2009) e ‘Em Família’ (2014), que nesta obra em questão foi visto com um certo desgaste. Era impossível sentir qualquer empatia pelo personagem Bira (Eduardo Lago) que enchia o saco de todos por conta do seu problema, enfim, é isto.
A bulimia de Gisele (Pérola Faria) e os embates com a mãe Anna Maria (Deborah Evelyn) também foi um tema que mesmo sendo uma novidade, foi saturado. Por fim e não menos importante, o racismo de Gabriela (Carolina Oliveira) também era desprezível e revoltou ao público durante as duas exibições.
Considerações finais
Vamos lá… É impossível definir ‘Páginas da Vida’ em apenas uma palavra, mas é certo que ela não é uma novela ruim, mas devido aos padrões da época, todos os seus problemas estruturais foram nitidamente vistos pelo público, que mesmo assim a fazer ser um sucesso em 2006 como em 2021/2022.
Manoel Carlos como ninguém sabe como fisgar o público com dramas familiares e suas crônicas cotidianas que retratavam uma parcela da sociedade elitista e talvez não representativa nos dias de hoje, levando em consideração que Helenas, Leblon e todos os elementos que deslumbraram o público já não sejam mais atrativos.
‘Páginas da Vida’ estratifica o início do desgaste da fórmula que Manoel Carlos se consagrou no horário nobre, principalmente. Talvez, se ele tivesse ousado mais, diminuído e alterado a quantidade assim como o desenvolvimento dos personagens, a novela seria um dos seus grandes feitos.
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