Chegou ao fim, nesta sexta-feira, a reprise de “Da Cor do Pecado” no Canal VIVA. Reexibida pela terceira vez (a novela já foi reapresentada no Vale a Pena Ver de Novo, em 2007 e 2012), se mostrou uma escolha equivocada e desnecessária, tirando o lugar de várias novelas que nunca foram reprisadas, fato que causou uma certa revolta ou indisposição com o público do canal, que não seguiu acompanhando o horário das 23h após o fim de “Mulheres Apaixonadas” (2003), em abril.
Originalmente exibida em 2004, foi a primeira novela assinada por João Emanuel Carneiro, mais conhecido hoje por “A Favorita” (2008) e “Avenida Brasil” (2012), fenômenos de audiência e repercussão. Se consolidou como a maior média de audiência do horário das 19h na década de 2000, sendo vendida para mais de 100 países, mas perdeu público e fãs gradualmente a cada nova reprise, despertando novas discussões sobre a má abordagem de alguns temas, principalmente o racismo.
Quando foi anunciada, o VIVA recebeu uma repercussão negativa e temeu ser “cancelado” nas redes sociais. O título da novela é considerado, hoje, extremamente ofensivo, remetendo diretamente ao período da escravidão, quando ser negro era considerado um “racismo divino”. Mesmo pressionado, o canal seguiu em frente com a decisão. A solução para evitar controvérsias foi omitir o nome da novela no material gráfico do canal, e citá-la nas narrações apenas quando muito necessário. Logo no fim do primeiro capítulo, o canal exibiu uma mensagem que seria utilizada no encerramento de todas as suas novelas: “Esta obra reproduz comportamentos e costumes da época em que foi realizada”. Se o VIVA já sabia que enfrentaria problemas com essa reprise, por que não voltaram atrás? A única explicação é a preferência crescente do canal por novelas dos anos 2000. Essa tática de divulgação afetou diretamente na repercussão da novela, que foi muito aquém do esperado.
Conhecida por ter a primeira protagonista negra da TV, Preta (Taís Araújo, dando um show) – o que é uma mentira, uma vez que Ruth de Souza, Yolanda Braga e a própria Taís, em “Xica da Silva” (1996), já haviam protagonizado novelas antes dessa –, “Da Cor do Pecado” era a clássica história de um amor que enfrenta a diferença de classes sociais, com direito até a gêmeos separados do nascimento, que trocam de identidade quando adultos, outro grande clichê das nossas novelas. Esse amor impossível, no caso, era o amor entre Preta e Paco (Reynaldo Gianechini), um homem rico que renega sua realidade – um chato. A grande ameaça do casal é Bárbara, vivida por Giovanna Antonelli em um ótimo momento da carreira, que não aceitava ser trocada por uma “neguinha”, proferindo ofensas racistas constantes, que cansavam pelo exagero. Giovanna protagonizou uma das cenas mais icônicas da TV brasileira, quando Bárbara é abandonada vestida de noiva em um lixão por seu então noivo, Tony (Guilherme Weber). Quem não se lembra?
Com essa reprise, pudemos notar que JEC tá deixava claras algumas marcas registradas: trama central ótima com tramas paralelas insuportáveis (“Avenida Brasil” é a única exceção), casal principal formado por uma mulher forte e um homem sonso e covarde, núcleos de humor que não se integram ao resto da história, vilãs pérfidas de grande apelo popular. O que causou raiva mesmo foram todas as situações de racismo que a personagem Preta sofreu. Ainda que realistas, incomoda o fato de a novela ter pouquíssimos personagens negros, e as agressões serem direcionadas quase que exclusivamente a ela, dando a impressão de ela ser um “saco de pancada”.
A novela também carregava outras questões problemáticas, entre elas a tão adorada família Sardinha – sim, para o autor desta crítica foi uma traição da memória afetiva. Temos que reconhecer que o núcleo foi um sucesso, principalmente pelo carisma de sua matriarca Edilásia, a Mamuska (Rosi Campos) mas, em maioria, o núcleo é o puro suco de muitos preconceitos, principalmente o machismo (propagado até por mulheres) e a homofobia, submetida ao personagem Abelardo (Caio Blat), que destoa do padrão de homens com masculinidade frágil e lutadores que seus irmãos possuem, apreciando mais a cultura, o que na novela é considerado “coisa de gay” – a tentativa de “curar” personagens gays ou bissexuais também é tema recorrente nas novelas de João Emanuel, algo curioso se considerarmos que ele próprio é homossexual. Os termos usados você já deve imaginar… Em muitas cenas, Abelardo é menosprezado, ofendido e até sujeito a situações de tortura psicológica para “voltar a ser homem”. Um horror! Junto a isso, um núcleo de “feministas radicais” é inserido na reta final da novela para fazer um contraponto, mas é outra vergonha alheia.
Mas justiça seja feita, também precisamos destacar os pontos positivos da novela. Afonso Lambertini (Lima Duarte), um empresário ambicioso e preconceituoso, conquistou nosso amor ao longo da novela através de sua convivência com o neto Raí (Sérgio Malheiros) e seu amor por Germana (Aracy Balabanian) – quando a bondade do personagem chega em seu auge, ele é morto por Tony, decisão criativa considerada injusta por muitos noveleiros, que até hoje criticam o autor por isso. Uma pena mesmo! Os trambiques e aventuras de Verinha (Maitê Proença) e Eduardo (Ney La Torraca), os pais falidos de Bárbara, garantiram boas risadas. Pra finalizar, pontuo que a melhor fase da novela é a sua reta final, onde a trama flerta com um enredo mais policial e com as tramas de vingança, a especialidade do autor, que seria explorada ainda mais nas suas novelas para o horário das 21h.
Com todo respeito aos fãs, mas a reprise dessa novela foi um equívoco. O que podia ser naturalizado há 17 anos, simplesmente não funcionam mais – ainda bem! Além da saturação causada por tantas reprises, o público não aceita mais abordagens datadas e preconceituosas, principalmente racistas. Aparentemente foi uma novela que os espectadores torceram muito para acabar logo. Ironicamente, o último capítulo foi ao ar na véspera do Dia Nacional da Consciência Negra, data marcada bela simbologia conscientização de um problema que a novela tentou abordar sem muito sucesso. Com o passar dos anos, a temática do racismo na teledramaturgia evoluiu a passos de formiga, e continuará assim enquanto as novelas continuarem a serem escritas apenas por autores brancos.
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