Sempre que falamos sobre novelas, viajamos pelo imaginário do público brasileiro, sendo este o formato de dramaturgia e arte mais acessível e democrático que nós temos. A teledramaturgia brasileira é conhecida por suas grandes produções, pela diversidade de histórias e personagens que marcaram o inconsciente coletivo não apenas do Brasil, como também de telespectadores de outros países para os quais as novelas brasileiras são vendidas.
Todo esse sucesso é uma junção de vários fatores: textos criativos, direção inspirada, elenco bem escalado, caracterizações bem desenvolvidas… Mas o que realmente causa um impacto indelével na nossa memória são as aberturas, não apenas pelos seus visuais impressionantes, mas por seus temas que despertam nossa nostalgia, não importa quanto tempo passe.
Em sete décadas de existência, a TV brasileira nos presenteou com inúmeras aberturas, todas muito diferentes entre si, começando com técnicas e recursos mais simples pela falta de recursos tecnológicos, mas abusando da criatividade e da personalidade. O grande responsável pela tradição das aberturas de novelas no Brasil é Hans Donner, designer austríaco que revolucionou a linguagem visual da Rede Globo nos anos 70 (e consequentemente, de todos os outros canais), tirando total proveito da chegada da TV a cores. Na primeira fase de seu trabalho na Globo, podemos destacar as aberturas de “Locomotivas” (1977), “O Astro” (1977), “Dancin’ Days” (1978) e “Pai Herói” (1979). Em 1980, a abertura simplíssima de “Água Viva” marcaria pra sempre a canção “Menino do Rio”, de Baby Consuelo, na memória coletiva dos telespectadores.
A partir dos anos 80, novas descobertas na tecnologia permitiram que o potencial criativo nas aberturas de novelas pudesse ser explorado ainda mais. Enquanto as aberturas de “Champagne” (1983), “Roque Santeiro” (1986) e “Top Model” (1989) abusavam do chroma-key e da computação gráfica, as aberturas de “Ti-Ti-Ti” (1985), “Selva de Pedra” (1986), “O Salvador da Pátria” (1989) e “Rainha da Sucata” (1990) criaram narrativas visuais impressionantes de maneira quase que totalmente artesanal.
Na virada dos anos 80 para os anos 90, com o final da censura, observa-se uma tendência de nudez feminina nas aberturas, combinada com uma crescente evolução gráfica. Alguns exemplos são as aberturas de “Tieta” (1989), “Pedra Sobre Pedra” (1992) e “Mulheres de Areia” (1993). Fora da Globo, a TV Manchete era reconhecida por abusar do erotismo em suas aberturas e em sua programação em geral.
Hoje isso é inimaginável: de um lado, há um esforço contínuo para que mulheres sejam vistas como mais do que apenas um corpo objetificado; de outro, uma onda moralista e conservadora reprime a nudez, considerada “mau exemplo”.
Outra tendência nos anos 90 foram as aberturas deliberadamente pautadas na tecnologia, em seu conceito e na sua execução. Os melhores exemplos são “Renascer” (1993), “A Próxima Vítima” (1995), “Explode Coração” (1995), “A Indomada” (1997).
No início dos anos 2000, a abertura de “O Clone” (2001) unia tecnologia, performance e uma trilha sonora impactante para apresentar os temas centrais da novela de maneira simples e eficaz.
Simplicidade também define outra abertura muito marcante: na vinheta de “Senhora do Destino” (2004), os personagens da novela aparecem coloridos entre uma multidão em preto-e-branco, uma maneira sutil de mostrar que aqueles personagens são como nós, que poderia ser a nossa história sendo contada ali. Apenas por acaso, são as histórias deles.
A emocionante canção “Encontros e Despedidas”, de Milton Nascimento, na voz de Maria Rita, dava o tom e marcou os telespectadores, apenas um dos aspectos que contribuíram para o fenômeno da novela.
Na década de 2000 em diante, a tecnologia se solidificou como a maneira mais prática de produzir aberturas de novelas, tornando-as até um pouco engessadas e lugar-comum. Talvez até preguiçosas. Com a exceção de algumas aberturas feitas de maneira artesanal – “Duas Caras” (2007), “Passione” (2010), “Joia Rara” (2013) e “I Love Paraisópolis” (2015) são bons exemplos -, poucas aberturas se destacaram, principalmente após a saída de Hans Donner da Globo, em 2016.
Algumas se escoram demais em efeitos gráficos sem nexo, enquanto outras tomam o efeito inverso, mostrando paisagens bucólicas e cenas da vida cotidiana. O horário que mais sofre com a falta de criatividade nas aberturas é o das 19h, onde uma sucessão de colagens super coloridas e, às vezes, até poluídas, invadem a TV.
Alguns exemplos de boas aberturas desta era são: o remake de “Ti-Ti-Ti” (2010), atualizando em computação gráfica a abertura da versão original, “Cheias de Charme” (2012), a abertura com ares épicos de “A Regra do Jogo” (2015), e “Tempo de Amar” (2017).
Ainda na última década, destacamos uma das últimas melhores aberturas:
De fato, a tecnologia e contribui muito para a produção de aberturas, mas isso não deve ser motivo para ficar na zona de conforto. Dizem que a falta de recursos torna as pessoas mais criativas, e isso se aplica às aberturas, se considerarmos que muitas vinhetas produzidas há 30, 40 anos atrás, são mais interessantes que as modernas. Isso vale para quase tudo: seja no conceito, na composição, nos créditos, na trilha e até no logo.
Enfim, entendemos que a tecnologia quase sempre é sinônimo de qualidade, mas nem sempre de criatividade. Fica aqui a torcida para que as novelas do pós-pandemia nos impressionem e marquem nossa memória.
E já que o assunto são elas, quais são suas aberturas favoritas?
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