Reprise de “Ti Ti Ti” foi injustiçada por voltar tarde demais e pela bagunça na grade, mas valeu a pena ver de novo!
Nesta última sexta (8/10), o zíper se fechou pela última vez. Mais de 10 anos após sua exibição original, chegou ao fim de maneira emocionante a reprise da segunda versão de “TiTiTi”, no “Vale a Pena Ver de Novo”, condensando seus 209 capítulos em 140, mas sem perder a integridade. Tecer elogios à uma novela executada de maneira tão harmônica por seus roteiristas, diretores e elenco, é chover no molhado. Mas é inquestionável que não faltam motivos para exaltá-la. É claro que eu, possivelmente seu fã número 1, não poderia deixar de falar sobre essa novela incrível e de grande importância para mim – e não vou economizar nas palavras!
A reprise, considerada tardia, quase não aconteceu, justamente por esse motivo: quanto mais o tempo passava, ia ficando cada vez mais “tarde demais”. Uma possível reprise quase aconteceu em 2016, quando substituiria a segunda reprise do remake de “Anjo Mau” (1997). Depois de muitos anos de clamores de fãs no Twitter, a Globo finalmente confirmou a reapresentação em suas redes sociais, em março deste ano – diga-se de passagem, com uma certa má vontade, utilizando imagens de baixa qualidade e mal editadas. O importante é que uma novela muito aguardada finalmente voltaria à nossa TV.
Assim como fez com “Anjo Mau”, a autora Maria Adelaide Amaral homenageava a obra de seu mestre, Cassiano Gabus Mendes, unindo duas novelas do autor, com a ajuda de uma equipe afiada de colaboradores – encabeçada por Vincent Villari, que se tornou seu parceiro titular na perspicaz “Sangue Bom” (2013) e na pouco inspirada “A Lei do Amor” (2016). Da “TiTiTi” original, de 1985, ela trouxe a comédia, que ficava por conta da divertida rivalidade entre os etilistas Ariclenes/Victor Valentim (Murilo Benício) e André/Jacques Leclair (Alexandre Borges) – trama que, para muitos, pode ser considerada quase infantil. A carga dramática veio de algumas tramas de “Plumas & Paetês” (1980), incluindo os complicados dilemas vividos por Marcela (Ísis Valverde) e Rebeca (Christiane Torloni), personagens interpretadas por Elizabeth Savalla e a saudosa Eva Wilma na novela original. Retornaram, também, personagens de outras tramas de Cassiano, como Mário Fofoca (Luís Gustavo), figura icônica de “Elas por Elas” (1982).
Com esta reprise, pudemos comprovar que a novela envelheceu muito bem aos olhos do público, tocando em temas muito à frente de seu tempo, incluindo as fake news, as blogueiras de moda, a crise editorial causada pela internet e, principalmente, a abordagem madura, esclarecida e respeitosa de relacionamentos homoafetivos, representada aqui pelos cativantes Julinho (André Arteche) e Thales (Armando Babaioff), cuja trama foi corajosamente exibida na íntegra nesta segunda exibição. A abordagem do mundo da moda foi bem sutil, e até idealista, se comparada com o lado sujo e imoral da indústria representado em “Verdades Secretas” (2015), por exemplo.
Tendo um elenco grande, muito bem administrado por Jorge Fernando (em um de seus melhores trabalhos como diretor), todos tiveram sua chance de brilhar: desde os grandes nomes da nossa TV – Giulia Gam (Bruna), Malu Mader (Suzana), Elizângela (Nicole), Regina Braga (Cecília) – até os jovens atores, alguns em seu primeiro trabalho na TV – Clara Tiezzi (Mabi), Sophie Charlotte (Sthefany), Juliana Alves (Clotilde), Mayana Neiva (Desirée) e os já citados Babaioff e Arteche. Além disso, foi um belo presente para relembrarmos o talento de Nicette Bruno, que faleceu de complicações de covid-19 em dezembro do ano passado, e Luís Gustavo, que não resistiu à um câncer e nos deixou enquanto as últimas semanas na novela iam ao ar.
Figuras frequentes nas novelas dirigidas por Jorginho (eles estavam, inclusive, em “Verão 90”, última novela que ele dirigiu antes de falecer, em outubro de 2019), Alexandre Borges e Cláudia Raia reeditaram uma parceria de vários trabalhos. Alexandre, muito acusado de ser “canastrão”, fez bem o que o texto e a direção propunham, com os recursos que tinha em mãos, vivendo o delicado, sedutor e canalha Jacques Leclair. Em maio, conversei com ele sobre a composição desse e muitos outros personagens – dá uma conferida clicando aqui, vai!
Mas é inegável que Cláudia, com sua Jaqueline Maldonado, foi o grande nome da novela, se tornando uma das protagonistas, e a personagem mais querida e lembrada pelo público! Curiosamente, Cláudia declarou que enfrentava uma depressão quando foi convidada para a novela, e a personagem lhe ajudou a enfrentar este momento difícil. Maria Adelaide e Jorginho misturaram o charme que Sandra Bréa teve ao interpretá-la em 1985 com o gigante potencial cômico de Raia, dando origem à uma personagem totalmente nova, única. Humana, complexa, cheia de contradições e confusões, e muito amor, características temperadas pela elegância e humor que são marcas registradas de sua intérprete. Foi lindo de ver!
Mas claro, nem tudo foi perfeito. Toda novela tem certos elementos, personagens e pautas que envelhecem muito mal – e isso é bom! Afinal de contas, isso mostra os pontos de vistas da nossa sociedade evoluíram. O triângulo envolvendo Marcela, Renato (Guilherme Winter) e Edgar (Caio Castro) é um bom exemplo, que trazia consigo o ranço de machismo típico das novelas dos anos 80, onde a trama teve origem, relativizando as agressões de Renato e o comportamento cafajeste de Edgar. Luti (Humberto Carrão) traiu todas as suas namoradas durante a novela – Gabi (Carolina Oliveira), a ciumenta e possessiva Val (Juliana Paiva) e Camila (Maria Helena Chira) – cada vez que surgia alguma dúvida sobre quem ele amava de verdade. Gabi, por sua vez, teve uma relação intragável e humilhante com Pedro (Marco Pigossi), com quem teve um final feliz e muito questionável. Num dado momento, Ariclenes se referia à Adriano (Rafael Zulu), um homem negro e gay, como franga de macumba – homofobia, racismo e intolerância religiosa, tudo numa tacada só. Não dá pra passar em branco, né?
Acumulando 14,5 de média no Ibope, a novela sofreu para segurar os 18 pontos da reprise anterior, “Laços de Família” (2000). Por quê uma reprise tão aguardada não repetiu o sucesso de sua exibição original? Existem alguns argumentos pra isso. Primeiro, a já citada reprise tardia – você pode ler mais sobre isso clicando aqui. Em segundo, podemos apontar um certo amadorismo da Globo na divulgação da novela, usando chamadas escassas e pouco cativantes, além dos horários de exibição instáveis. E por último, a teoria de que novelas das 19h (com a exceção de “Cheias de Charme”, de 2012) simplesmente não funcionem na faixa, onde até mesmo sucessos de autores-coringa como Walcyr Carrasco e João Emanuel Carneiro fracassaram – o que não quer dizer que os autores sejam fracassados, coisa que alguns haters acusaram Maria Adelaide de ser nas redes sociais. Talvez tenha sido só um desinteresse do público por reprises em geral, que é praticamente só o que temos assistido desde o início da pandemia.
Encerro este texto enaltecendo a obra e a criatividade de Maria Adelaide Amaral, que conseguiu manter a essência cômica oitentista que é o legado de seu grande mestre Cassiano Gabus Mendes, referenciar e homenagear não somente a obra dele, como também muitas outras novelas da TV Globo, ao mesmo tempo que criava algo totalmente novo, alterando e atualizando muitas coisas. Como li em algum lugar, “Ti Ti Ti” é uma novela para noveleiros, pois foi várias novelas em uma só – e muito bem costuradas, literalmente. Mesmo “flopada” – que palavrinha horrível -, valeu muito a pena ver de novo.
Antes que eu seja cancelado por defender tanto essa novela, preciso explicar a importância e o significado especiais que ela tem pra mim: foi assistindo à Malu Mader com sua personagem, Suzana, aos 9 anos de idade, que decidi ser jornalista, enxergando nela a chefe que sempre sonhei em ter. Como já citei antes, tive a honra de entrevistar Alexandre Borges em maio – a primeira entrevista da minha carreira foi justamente com um dos protagonistas de uma das minhas novelas favoritas! Incrível!
Frame de vídeo do último capítulo de “Ti Ti Ti” |Imagem: Globoplay/Reprodução
Já dizia Jaqueline no ato final de “Ti Ti Ti”: “Me diz a verdade, isso é ou não é o fim?” Devo dizer a vocês que é! Espero que tenham gostado desse texto! E continuam acompanhando: vem muito mais por aí!
Separei algumas pautas sobre a novela que você pode gostar:
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